quarta-feira, 23 de outubro de 2013

O escárnio literário de Charles Bukowski


velho safado
Bukowski
Absorvida pela rotina econômica a humanidade depara-se com a felicidade momentânea dos fabricados momentos de lazer, e o que sobra, para àqueles, os desprezados seres que perambulam às margens deste cenário ilusório, os infames "fracassados" que não assimilaram tal condicionamento deteriorante, e que por determinados motivos e ou circunstâncias estranhas à normalidade, insistem em manter-se afastados do polido e insosso ensopado metódico no qual encontra-se mergulhado a famigerada sociedade humana?  
Ancorado a este submundo paralelo Charles Bukowski cunhou seu pensamento. Em meio a divagações alcoólicas de uma vida hedonista incrustada na impessoal e implacável cidade de Los Angeles, o "velho safado" Buk, encontrou a essência de sua criatividade para expressar seu pensamento. 
Apesar de ideologicamente identificado com a geração beat de Jack Kerouack e William Burroughs, sempre resistiu ao rótulo, e, mesmo mantendo relação próxima com alguns dos membros, preferiu a solidão de seus pensamentos repousado nos subúrbios da metrópole, onde peregrinava entre bares e corridas de cavalos.
O estilo literário nada polido que brotava das entranhas de sua mente, trouxe à tona, para dentro do clamor social, os ideais de vida de um ser que menosprezou o sonhado estilo de vida do cidadão norte americano, àquele do profissional bem sucedido, homem de família, apto aos desfrutes de uma vida artificialmente consumista e estabilizada.
Este desapego escancarado da normalidade e a maneira ébria que encontrou para encarar os acontecimentos de uma vida marginal, lhe renderam a fama de degenerado, louco e safado.
A harmonia entre palavras que mesclam cinismo e ironia dão vida a expressões desvairadas que despertam
 o inconformismo diante da perplexidade de um ser estranho e desiludido.
Bukowski é sem dúvida alguma, o contraponto em carne e mente do estereotipado sonho capitalista.

Alguns de seus poemas:

_____________
CONFISSÃO







esperando pela morte
como um gato
que vai pular
na cama
sinto muita pena de
minha mulher
ela vai ver este
corpo
rijo e
branco
vai sacudi-lo talvez
sacudi-lo de novo:
"Hank!"
e Hank não vai responder
não é minha morte que me
preocupa, é minha mulher
deixada sozinha com este monte
de coisa
nenhuma.
no entanto
eu quero que ela
saiba
que dormir todas as noites
a seu lado
e mesmo as
discussões mais banais
eram coisas
realmente esplêndidas
e as palavras
difíceis
que sempre tive medo de
dizer
podem agora ser ditas:
eu te
amo.

_______________________________________
                                    poema nos meus 43 anos 



terminar sozinho

no túmulo de um quarto

sem cigarros

nem bebida-

careca como uma lâmpada,

barrigudo,

grisalho,

e feliz por ter um quarto.

...de manhã

eles estão lá fora

ganhando dinheiro:

juízes, carpinteiros,

encanadores , médicos,

jornaleiros, guardas,

barbeiros, lavadores de carro,

dentistas, floristas,

garçonetes, cozinheiros,

motoristas de táxi...

e você se vira

para o lado pra pegar o sol

nas costas e não

direto nos olhos.

______________________________

olá como você está?

esse medo de ser o que eles são:
mortos.
pelo menos eles não estão na rua, eles
têm o cuidado de ficar dentro de casa, aqueles
malucos que se sentam sozinhos na frente de suas tvs,
suas vidas cheias de enlatados, riso mutilado.
seu bairro ideal
de carros estacionados
de pequenos gramados
de pequenas casas
as pequenas portas que abrem e fecham
quando seus parentes os visitam
durante as férias
as portas se fechando
atrás do moribundo que morre tão devagar
atrás do morto que ainda está vivo
em seu tranquilo bairro de classe média
de ruas sinuosas
de agonia
de confusão
de horror
de medo
de ignorância.
um cão parado atrás de uma cerca.
um homem silencioso na janela.

______________________

99 para um



o tubarão resplandecente
quer meus bagos
enquanto atravesso a seção de carnes
em busca de salame e queijo

donas de casa púrpuras
apalpando abacates de 75 centavos
sabem que meu carrinho é um
pau monstruoso

sou um homem com um relógio antigo
parado em uma cabine telefônica numa espelunca
chupando um bico vermelho como morango
de cabeça para baixo em meio à multidão na Filadélfia.

de repente tudo ao meu redor são gritos de
ESTUPRO ESTUPRO ESTUPRO ESTUPRO ESTUPRO
e eu estou metendo em alguma coisa debaixo de mim
cabelos ruivos opaco, mau hálito, dentes azuis

costumava gostar de Monet
costumava gostar muito de Monet
era divertido, eu pensava, o que ele fazia
com as cores

mulheres são caras demais
coleiras para cachorro são caras
vou começar a vender ar em sacos alaranjados
com os dizeres: florescências da lua

costumava gostar de garrafas cheias de sangue
jovens garotas em casacos de pêlo de camelo
Príncipe Valente
o toque mágico de Popeye

o esforço está no esforço
como um saca rolhas
um homem de verdade não deixa farelos de cortiça no vinho

este pensamento já ocorreu a milhões de homens
ao se barbearem
a remoção da vida talvez fosse preferível à
remoção dos pêlos

cuspa algodão e limpe seu espelho
retrovisor, corra como se tivesse vontade, ex-atleta,
as putas vencerão, os tolos vencerão,
mas dispare como um cavalo ao sinal da largada.



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